Boleira passava fome na rua e hoje é dona do próprio negócio no exterior

Liliam Altuntas é empreendedora do Liliam’s Buffett, conceituado na Itália e que doa alimento às minorias e margens da sociedade.

Lia Costa

Liliam Antunes nasceu no Recife e sempre morou com a avó paterna, pois os pais não tinham condições de cuidar dela. Nessa mesma casa ela era abusada pelo tio, o que a fez fugir de casa inúmeras vezes até morar na rua definitivamente. Queria crescer, dar a volta por cima da própria história. Até que um dia lhe ofereceram uma oportunidade de mudança. A até então adolescente foi parar na Alemanha, onde foi obrigada a se prostituir. A polícia local descobriu e realojou ela e as mais de dez meninas em um lar. Depois de lá, Liliam ergueu a cabeça e mudou a sua história, sem esquecer o seu passado.

ABJ Notícias: Qual era sua maior luta para sobreviver naquele contexto?

Liliam Altuntas: Caí muitas vezes, recebi muito não, muitas ilusões, meu Deus do céu! Muitos nãos. Mas eu não desisti, porque eu ia conseguir. Consegui coisas que nem esperava. Quando você tem uma semente você decide: guardar ou colocar ela como você quiser, a mesma coisa é uma palavra. Guarda ou usa. Eu dei a semente, ela [a pessoa] decide o que vai fazer. Quando você fala de pessoas de rua pra rua, no modo da gente, ele te escuta de uma forma diferente. Mais do que alguém que estudou nossos problemas, a nossas causa.

ABJ: E você recebeu essa semente de alguém?

Liliam: Um pastor deu a semente, quem cuidou e regou comigo foi meu marido. Claudio. Eu acordava assustada, daí ele ligava a luz e dizia “sou eu”.  Eu jogava roupa dele lá fora, depois ele ligava e perguntava se podia subir, com calma. Eu ainda usava drogas, ficava no meio do muro. No meio do muro não da pra construir nada de seguro. Hoje eu tô bem. Eu não deixei no Brasil aquela Liliam parada.

ABJ: Você mora na Itália, mas recentemente veio ao Brasil. Como foi pisar no seu país depois de tanto tempo?

Liliam: Essa viagem me ajudou, foi na favela que eu cresci. Entrei de pés descalços, chorei muito. Não era mais a menina que ficava correndo procurando um lugar pra dormir. Aí pensei… Ainda tem tráfico de menor, prostituição, pessoas na rua… E eu fiquei com medo de como as pessoas iriam reagir, me ver. O reencontro foi regado de choro, abraço, beijo… A primeira palavra foi “menina como você engordou” (risos). Eu era carne e osso!

ABJ: Como e quando você começou a cozinhar e se especializar em doces?

Liliam: Comecei a empreender em 2007, na Itália. Cozinhar aprendi em casa com as minhas tias. Minha primeira vez eu fiz eu bolo tão caro, mas tão feio que meu Deus do céu… A mulher pagou (risos). Com os carões e os gritos eu aprendi. Ela disse: “Eu só não te processo porque o bolo estava gostoso”. Era de ameixa, com glace que derreteu.  O Liliam’s Buffet abriu em 2008, era uma coisa em casa e online, no tempo do Orkut (risos). Antes de tudo, foi uma trans brasileira que queria comer comida brasileira e eu fiz pra ela. E nas festas que ela dava tinham pessoas famosas, eles gostavam e pediam. Poxa faz 25 anos eu passava fome e agora vendo comida. Agora vou falar do problema que tem no meu país, colocar em jogo a minha dor. Passei quase um ano somente na televisão, Alemanha, Dubai… Coisas que eu nem esperava.

ABJ: Você dá comida para prostitutas, moradores de rua e necessitados aos domingos. Diferente de outras pessoas, por que você acredita que a mudança é possível?

Liliam: Eu sou da favela e de rua, e tenho a minha empresa. Tem pessoas que estão na favela ou na rua e tem capacidade, só não tem oportunidade e paciência. Eu sou como se fosse a boca deles. Um potencial de algo bom, que pode lutar. Como aquele pedaço de pão que dividia na rua, agora eu divido com eles.

ABJ: E até a Lady Gaga já foi sua cliente, não é?

Liliam: Se eu soubesse eu ia lá entregar!  Mas o rapaz não me falou. Era um horário que estava tudo fechado e ela queria um bolo de chocolate com coco. Ele era meu cliente, e me perguntou se eu faria. Aí eu fiz, ele não falou pra quem era eu não perguntei. Três dias depois ele disse que era pra ela e que ela gostou. Tinha até foto.  Aí foi, pra jogadores, pessoas famosas… Eu fico pensando, meu Deus, daqui a pouco alguém vai me acordar em Recife e ver que tudo é um sonho.

ABJ: Você realizou seu sonho de ter a sua padaria e mudar de vida. A Liliam ainda sonha?

Liliam: Um sonho que tenho é de abrir a escola pasticcioneria [pessoas trapalhonas, em italiano], tipo escola de trapalhões, porque eu sou trapalhona na cozinha. O público alvo são os moradores de rua, prostitutas que querem recomeçar, jovens que os pais mandam embora, pessoas vulneráveis. Eu vou dar as aulas e quero que os alunos deem aulas depois também. Um negócio de doces no Brasil tenho sonho de viajar e fazer trabalhos sociais. Minha riqueza eu já tenho. Consegui a minha padaria que sonhava.

 

 

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