Jornalismo, uma arma de guerra

In Entrevista, Geral
Dia do Jornalista

Entrevista com José Arbex Júnior em comemoração ao Dia do Jornalista.

Paula Orling

José Arbex Júnior é jornalista brasileiro com mais de 40 anos de carreira e foi correspondente internacional nos Estados Unidos e na Rússia. Durante sua atuação profissional, teve sua matéria selecionada como uma das 100 grandes reportagens da Folha de São Paulo. Ele entrevistou Mikhail Gorbatchev, Yasser Arafat e outras figuras de relevância mundial. Atualmente, é professor do Departamento de Jornalismo da PUC-SP e pode compartilhar, com seus alunos, relatos de experiências como a Queda do Muro de Berlim, Primavera de Pequim, retirada de soviéticos no Afeganistão e o desenvolvimento da perestroika. Além disso, participa da organização e produção editorial de jornais, com foco em mídia, cultura, política internacional e manipulação da informação. 

Em comemoração ao Dia do Jornalista, nós, da ABJ Notícias buscamos homenagear e incentivar a profissão por meio da história de um grande jornalista, como José Arbex Júnior.

ABJ: Já que é a comemoração ao Dia do Jornalista, qual é a importância do Jornalismo e da mídia no mundo atual? Qual a influência que pode exercer sobre a sociedade?

Arbex: O jornalismo, hoje, virou uma arma de guerra. Dependendo do veículo, a informação é diferente. Se você assiste à CNN, chega à conclusão de que o Biden é um herói, defensor do mundo livre, o salvador do mundo. Se você vir a Fox News, verá o contrário. “Biden, o trapalhão, se meteu numa guerra que não tinha que se meter, piorou tudo, porque agora ele jogou a Rússia cada vez mais para a China; o mundo está cada vez pior por causa do Biden e tudo que está acontecendo lá agora é culpa dele”. Os caras estão noticiando a mesma guerra, mas são dois olhares completamente diferentes. Essa é a importância do Jornalismo. É um meio de você ter acesso à informação, mas é muito perigoso, porque cada jornal conta a sua verdade. O correto seria, como jornalista, ser o mais honesto possível. 

ABJ: E, mesmo com tantas questões a serem avaliadas, por que você, pessoalmente, decidiu cursar Jornalismo e estabelecer essa carreira de jornalista?

Arbex: Eu posso te dar duas respostas. Uma é a resposta heróica e a outra é a resposta verdadeira. Vamos começar pelo heroica… é o seguinte: eu fui fazer Jornalismo porque eu percebi que é um garantidor da democracia, é um bastião da informação; eu queria contribuir com a democracia na sociedade brasileira e, por isso, eu fui fazer Jornalismo. Essa é a resposta heróica.

ABJ: E a verdadeira?

Arbex: A resposta verdadeira é o seguinte: eu fazia Engenharia Química, fiz até o quarto ano. Aí eu percebi que eu “tava de saco cheio”, que eu não queria ir pra esse lado na minha vida. Eu escrevia muito em jornais de movimento estudantil, do Centro Acadêmico, universitário e em alguns jornais clandestinos contra a Ditadura Militar. Eu percebi que estava cada vez mais inclinado ao Jornalismo. E a resposta foi essa. Foi saco cheio da Engenharia, combinado com um encanto cada vez maior pelo Jornalismo. Eu fui sendo levado, nada de grande heroísmo.

ABJ: Ficamos felizes que você tenha desistido da Engenharia Química. Você citou o seu trabalho durante o período da Ditadura Militar como um elemento importante para a sua carreira e pesquisou como a mídia no processo de luta de classes. E como você descreveria o seu papel dentro desse movimento?

Arbex: Uma das minhas linhas de formação mais básica foi a minha participação em jornais clandestinos, proibidos, que não podiam existir na época da Ditadura Militar, me opondo e fazendo um jornalismo de oposição, de denúncia de crimes da ditadura, da tortura, de desaparecimentos políticos… a primeira atividade importante da qual eu participei foi a Missa do Vladmir Herzog, em outubro de 1975, na Praça da Sé. Para você ver como eu sou velho. Comecei com 16 ou 17 anos de idade. Me identificava com essa luta, que influenciou toda a minha carreira no jornalismo. Sempre tentei fazer um jornalismo identificado pela luta pelos direitos humanos, pela democracia, denúncia do autoritarismo e da violência contra a população, em todos os lugares em que trabalhei.

ABJ: A sua luta pelos oprimidos, que sofrem pela violência e repressão marcou toda a sua carreira nacional e internacional. No que diz respeito à Palestina, qual sua relação com essa cultura? Por que você decidiu explorar mais a fundo esse conteúdo e registrá-lo em livros?

Arbex: Eu comecei com uma grande matéria Internacional sobre a Nicarágua; depois Haiti; depois Paraguai. No Paraguai, eu tive uma honra, meu primeiro grande troféu, vamos dizer assim, no Jornalismo. Tive a honra de ser expulso e ameaçado de morte no Paraguai pela ditadura de Stroessner, que me deu muita honra naquele momento. E depois eu tive a honra de ser proibido de entrar no Chile, pela ditadura do Pinochet. Então, o meu primeiro foco no Jornalismo não era a Palestina. Era, na verdade, América Latina. Em segundo lugar, o leste europeu, por causa do movimento estudantil, porque eu discutia muito o socialismo e o comunismo.

A questão da Palestina veio quando eu fui me inteirando cada vez mais na violência, do processo que ocorre na Palestina, exercida pelo estado de Israel contra o povo palestino, com a cobertura da mídia, que é uma mídia cúmplice, que não denuncia. A mídia cobre muito mais do que está acontecendo na Ucrânia do que acontece na Palestina, nos países árabes. Isso daí foi o que provocou uma grande revolta em mim. Fiquei muito indignado quando eu comecei a perceber tudo isso daí e comecei a me aprofundar neste tópico. Eu pesquiso muito desse tópico e procuro denunciar sempre o que está acontecendo, as barbaridades cometidas, porque eu acho que é um tema da maior importância para toda a humanidade.

ABJ: Durante a sua carreira, você cobriu eventos muito marcantes para a história mundial. Como você conseguiu equilibrar os sentimentos, geri-los, ao conversar com figuras poderosas ou até perigosas?

Arbex: Você não controla tudo. Você não controla as emoções, não controla o andar dos acontecimentos. Então, o difícil ali é você saber se equilibrar com todas essas coisas acontecendo à sua volta e mais as relações humanas, que é um aspecto mais delicado. Por exemplo, eu convivi 40 dias com aquela molecada na Praça da Paz Celestial, em Pequim, e um monte dele foi assassinado, eles foram mortos, pela repressão. Aonde você vai, você lida com pessoas do povo e você vê que vai ter uma tragédia, que você vai fazer o seu trabalho, vai embora, e aquelas pessoas vão ficar lá, vão sofrer as consequências. E isso é muito difícil, porque não tem como você sair sem ser afetado, a não ser que você seja um bloco de gelo. Tem jornalista que não é afetado, que está lá para fazer o serviço e ir embora, e não é o meu caso. Conversar com essas pessoas é muito interessante. É uma energia muito forte, são pessoas muito carismáticas, chegaram onde chegaram porque são pessoas muito especiais, principalmente o Alafaya e o Gorbachev. Isso aí é uma experiência humana fascinante. 

ABJ: Você acredita que se tornou mais fácil ou mais difícil a atuação do jornalista em cenários de guerra? 

Arbex: Se for por um certo ângulo, bem mais fácil, porque agora você tem internet, telefone-celular, uma série de facilidades, que não tinha na minha época e que te coloca em contato com as redações, com os amigos dos países que você veio. Isso tudo facilita. Então você tem, pelo aspecto tecnológico, uma facilidade. E, pelo aspecto político, a coisa está muito mais fácil se… e aí está o ponto, se você topar fazer o jogo das forças em luta. Então, por exemplo, os Estados Unidos inventaram a figura do “jornalista patrocinado”. É o seguinte, se você respeitar um conjunto de umas 54 normas militares e se comprometer a respeitar essas normas e permanecer no batalhão que você for designado, você vai ter a proteção do Exército; então o batalhão vai te levar para a guerra, você vai cobrir a guerra e vai mandar o seu material. Nesse sentido, facilitou muito. Mas, por outro lado, você se comprometeu. A sua independência com o jornalista foi para o espaço, A sua isenção e a sua imparcialidade acabaram. Na minha opinião, isso é uma porcaria. E a maioria dos jornalistas topa isso. Se você não topa, está sozinho no meio do campo de batalha. Aí é muito mais difícil, porque aí você está exposto para ser assassinado, tomar um tiro, a qualquer momento. Então, pelo lado tecnológico, facilitou. Mas, pelo lado de controle político e ideológico das notícias, se você não está protegido pelo exército, dane-se você e você está por sua conta. É muito mais perigoso.

ABJ: Pensando sobre os riscos que um jornalista pode enfrentar sem estar vinculado a um exército, você já esteve envolvido em algum evento de conflito próximo em que você corria risco?

Arbex: Vários. Lá no Haiti foi a primeira vez que eu fiquei numa barricada, no meio de uma troca de tiros, em que o rapaz do meu lado levou uma saraivada de tiros. Ele morreu do meu lado, esparramou sangue em mim e, por muito pouco, eu não fui junto. Já no Afeganistão, eu estava no avião de correspondentes internacionais, alvo de mísseis, atravessando o campo de batalha. O míssil passava e o avião balançava. No Cambodja, eu fiquei perto de uma zona de combate. Foram várias situações de risco, mesmo na Praça da Paz Celestial, em que o ataque poderia vir a qualquer momento, que, por acaso, não aconteceu enquanto eu estava lá. Ah, teve na Palestina: a passeata que a gente fez, eu e mais 20 representantes do Fórum Internacional. O Exército Israelense apontando metralhadora e fuzil para nós e, depois, a gente foi cercado por três tanques de guerra.

ABJ: Experiências únicas! Você considera que o Jornalismo é uma profissão de risco?

Arbex: Depende de você! Se você topar o esquema de ser protegido pelo batalhão, seu risco diminui bastante, mas aí, na minha opinião, o que você está fazendo já não é mais jornalismo.

ABJ: Então você não escolheria ser protegido por um Estado ou um exército. Você prefere isso por conta própria?

Arbex: Se eu fosse, eu iria por conta própria ou não iria. Eu não iria patrocinado por nenhuma tropa. Na minha opinião, é ser garoto propaganda de outros países, aí não dá.

ABJ: Desses momentos que você citou, vários deles que foram assustadores, qual você considera o momento mais difícil da sua trajetória profissional em termos de risco? 

Arbex: Sem dúvida nenhuma, foi essa viagem pelo Afeganistão, dentro de um avião, que era alvo de míssil ferrilheiro lá embaixo. Você está dentro de um avião, não tem para onde escapar. Se um míssil daquele lá pega em você, já era, não tem o que fazer, você está frito.

ABJ: De que maneira se deve fazer uma boa cobertura?

Arbex: Tem duas maneiras. Tem a maneira que você vai achando que sabe tudo. É a maneira do cara que é prepotente, é arrogante. Ele acha que não vai aprender mais nada e que tem a palavra final. Isso aí é fazer um péssimo Jornalismo, feito por um cara que já vai com a matéria pronta na cabeça antes mesmo de acontecer o evento. Tem muita gente fazendo isso e é uma porcaria! Existe um outro jeito de fazer a matéria. É dizer: olha, o que eu sei é o arroz com feijão, mas eu preciso aprender; aprender com a vida, com as pessoas, com a situação, com o que está acontecendo. Então, eu preciso conversar, preciso debater, falar com as pessoas, eu preciso ver o que elas estão pensando. Eu preciso entrevistar um monte de gente de todos os lados para ver quanto as posições, para poder mostrar aquilo que está rolando, de fato.” Eu sempre tentei fazer essa segunda forma. Sempre aprendi muito nessas coberturas, são ótimos momentos para se crescer.

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