“Estupro virtual”

O Código Penal passou por alterações em 2009 e o art. 213 ampliou o conceito de estupro

Sabryna Ferreira

No dia 10 deste mês ocorreu a condenação do primeiro caso do que ficou conhecido como “estupro virtual”. O episódio aconteceu na capital piauiense, Teresina, resultando na prisão de um técnico de informática de 34 anos. O agressor ameaçou publicar fotos íntimas da vítima caso ela não mandasse imagens dela se masturbando. A vítima, de 32 anos, é universitária e já foi namorada do agressor.

O ex-namorado da vítima criou um perfil em nome dela que continha fotos íntimas, fotos da família e do filho da universitária. Como a estudante não sabia de onde partiam as ameaças resolveu denunciar. Durante a investigação, a polícia chegou ao IP (endereço virtual) do técnico de informática, efetuando assim a prisão. Também foram encontradas no computador dele fotos íntimas de outras mulheres. A polícia está dando sequência nas investigações para saber se há mais casos do mesmo tipo cometidos por ele.

A repercussão do caso foi grande e gerou muitos questionamentos a respeito do termo usado para categorizar o crime de “estupro virtual”. Segundo a advogada Cintia Lima, o Código Penal que está em vigor define estupro como constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. “Geralmente, as pessoas estranham a denominação ‘estupro virtual’, exatamente porque pensam que para haver estupro, deve-se obrigatoriamente haver conjunção carnal (cópula pênis-vagina), como prescrevia o artigo, anteriormente à Lei 12.015/09”, esclarece Cintia.

No ano de 2009, o Código Penal passou por alterações e o art. 213, ampliou o conceito de estupro, que passou a ser definido como: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Cintia explica que casos como o de “estupro virtual”, especificamente, se enquadram na interpretação dos trechos “constranger alguém mediante grave ameaça” e “a praticar outro ato libidinoso”. Portanto, pode-se entender que “ato libidinoso” como todo ato destinado a satisfazer a lascívia e o apetite sexual de alguém. “É claro que no meio virtual, a conjunção carnal não tem como realizar-se, no entanto, é totalmente possível, como no referido caso de Teresina, que o criminoso constranja sua vítima através de ameaça (no caso, divulgar fotos íntimas) a praticar ato libidinoso, ou seja, o envio de fotos e vídeos de conteúdo íntimo”, conclui.

De acordo com o advogado Fabricio Posocco, especialista em Direito Digital, outro ponto importante a ser analisado é a questão do consentimento da vítima em participar dessas atividades libidinosas virtuais. Nesses casos, é primordial identificar se houve “consentimento” da parte que se diz vítima na realização dos atos sexuais virtuais. O teor das conversas ou mensagens trocadas podem revelar se a vítima foi forçada a realizar tais atos por se sentir psicologicamente constrangida ou ameaçada. “Essa questão de que ‘os atos foram consentidos’ ou de haver o constrangimento psicológico faz toda a diferença na tipificação dessa modalidade de estupro”, aponta.

Posocco acrescenta que o uso da tecnologia torna a apuração do crime mais fácil porque nessa hipótese de estupro virtual, tudo fica registrado nos endereços de IP dos computadores e celulares, tais como frases, fotos e filmagens, podendo ser comprovado mais facilmente o uso indiscriminado das redes sociais que foram utilizados para o constrangimento ou grave ameaça da vítima. “Assim, a utilização dos registros eletrônicos são provas seguras para atestar se houve crime ou desfazer mal entendidos, em que inocentes são falsamente acusados”, explica.

Para a psicanalista e Mestre em psicologia Rita Martins, é comum que pessoas que passam por este tipo de agressão desenvolvam transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), síndrome do pânico e depressão. Além de dificuldade de dormir (insônia, pesadelo ou sono muito leve), também é comum ter pensamentos intrusivos ou suicidas e um misto de sentimentos que se alternam em instantes, como humilhação, angústia, raiva de si própria e do agressor, medo, culpa e desespero. “A pessoa tende a ficar mais arisca e desconfiada, principalmente quando se trata de conhecer pessoas”, menciona Rita.

Autoestima, trabalho, relacionamentos familiares e sociais são aspectos muito afetados na vida de uma vítima de estupro, seja ele virtual ou físico, pois sua imagem fica comprometida, mesmo que a vítima não tenha responsabilidade sobre o ocorrido. “É comum sentir-se sempre exposta ao olhar julgador dos outros e este julgamento para quem já está fragilizado, é devastador”, frisa a psicanalista.

Apesar de este ser o primeiro caso de estupro virtual registrado no Brasil, estima-se que não seja o único. Muitas vítimas ainda têm medo de denunciar e esse é um fator que contribui para que o crime continue acontecendo e os agressores fiquem impunes. No dia 09 de agosto foi aprovado no senado o projeto apelidado  de lei Rose Leonel (vítima paranaense que teve sua intimidade exposta pelo ex-namorado), que inclui no Código Penal o crime de divulgação de cena de nudez. A pena varia de três meses a três anos de prisão (sem pena alternativa). Agora o projeto aguarda a aprovação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

*Foto: https://goo.gl/XU4Fah

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