Identidade induzida

Quando a brincadeira vira um problema de gente grande

Sabryna Ferreira

A imaginação fértil das crianças faz o inanimado ganhar vida e compor histórias fantásticas. Histórias em que as personagens são elas mesmas. Em um mundo midiatizado, os produtos do entretenimento ultrapassam as telas e tomam formas palpáveis para aumentar a experiência do usuário e os lucros.  Brinquedos que imitam a forma humana tornam-se modelos de padrão, mas muitas vezes não podem ser alcançados. A barreira? O fenótipo.

Desde os primeiros anos da infância, é comum meninas serem apresentadas às bonecas. Entre os variados tipos, um padrão que difere das características da maior parcela da sociedade brasileira: pele rosada, cabelos dourados e olhos cor de céu em dia de sol.  A psicanalista e Mestre em Psicologia Rita Martins explica que o ser humano afirma sua identidade por meio da filiação social. A partir disso se dá a importância de pertencer a grupos. Entretanto, essa necessidade é maior na fase da adolescência. “Na infância, os pais ou os adultos responsáveis pelas crianças são as fontes de referência no que diz respeito a estruturação de ego, influenciando também na formação da personalidade”, expõe. Assim, dependendo dos valores que são introjetados por meio de palavras, tom de voz, expressão fácil e gestos, os pequenos podem lidar melhor ou pior com as frustrações e diferenças.

A estudante de pedagogia Katielli Oliveira, trabalhando ainda como estagiária, já se deparou com essa complexidade. Ela relata que, na turma onde atua como auxiliar, há apenas uma aluna negra. Certo dia levou uma boneca negra e uma branca para a escola, mas os outros alunos notaram que ela só brincava com a branca e perguntaram porque ela deixava a de pele escura de lado. “Eu só observava de longe”, conta. Ela timidamente respondeu que a branca tem cabelos lisos e pele mais clara, “já a negra… ela é igual a mim, o cabelo é duro”, respondeu a menina. “Aí eu interferi e encerrei a conversa entre eles. Nós professoras sentimos ela muito afastada dos colegas”, completa Katielli.

A psicanalista argumenta que a mídia e seus produtos exercem influência sobre o conceito de beleza através desse tipo de propagação de padrões revelados nas bonecas, mas que meninas negras não precisam apenas de bonecas parecidas com elas. “O ideal seria que toda a criança pudesse ter acesso a diversidade de modelos – negras, loiras, magras, gordas, baixas e altas, com deficiência etc. –, para que pudesse ampliar sua percepção estética”, sugere. Rita também enfatiza a importância do exemplo de autoconfiança dos pais para a aceitação da própria imagem.

“Identidade racial é uma coisa muito difícil de lidar. Passamos o que dá, mas não falamos muito sobre o assunto”, confessa Katielli. Mas a futura educadora também admite a responsabilidade que os professores têm de não só intervir em situações de depreciação da imagem, mas também de incentivar um processo de aceitação. Rita reconhece que não há idade certa para abordar esses assuntos com as crianças, pois não dá para prever quando nem onde elas vão se deparar com situações onde as diferenças são expostas e questionadas. “O melhor momento é quando a criança começar a perguntar. É claro que a complexidade da resposta terá que estar de acordo com sua capacidade de entendimento”, aconselha.

*Foto: https://goo.gl/UxFyzx

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