Maternidade real: desafios do puerpério

Esqueçam o mundo azul ou rosa! Há mais para saber sobre a maternidade, além do amor incondicional

Ana Clara Silveira

Chás de revelação anunciam o sexo do bebê. O escritório vira quartinho cor de rosa ou azul, com bichinhos, nuvens, bonecas ou carrinhos. O berço chega, o armário, as mamadeiras e as fronhas. A expectativa cresce para conhecer o rosto, o cheirinho e as manias. Sem esquecer de uma decisão importante: o nome da criança.

Mas então o bebê nasce e ninguém te explica o que acontece depois da expectativa. A realidade nem sempre é tão colorida. Essa é a nova você: com uma criança nos braços, choros que você ainda não entende, seios doloridos pelo excesso de leite – quando não escassez –, vagina doída, além da falta de segurança com seu jeito para cuidar de alguém tão frágil. 

“Ninguém deixou um manual de instruções quando encomendei essa criança?” A solidão visita e se senta no sofá de uma casa que agora tenta criar uma nova rotina. Se sua rede de apoio – leia-se família e amigos – te entender, ótimo! Se não, palpites e julgamentos para todos os lados.

Parir é luto

Baiana de Salvador, a doula Thalita Gazar, 23, esclarece que o pós-parto também representa uma grande perda. “Luto não é só morte. Luto é resposta emocional por perda de algo e uma mulher no puerpério perdeu a vida que ela tinha antes”, esclarece. 

Não é por acaso que muitas mulheres enfrentam “desânimo, dificuldade de vinculação com o bebê, tristeza e alteração de apetite”. Segundo a doula, “o Brasil tem uma taxa de 15 a 30% de mulheres afetadas pela depressão pós-parto como resultado da exposição à vulnerabilidade social, a violência doméstica e sexual, a não existência de um parceiro no momento e a falta de apoio geral”. Já a tristeza puerperal ou baby blues acontece com mais frequência atingindo, em média, 70% das puérperas – nome atribuído às mulheres que tiveram filhos há pouco tempo, embora esse período não seja exato na ciência. 

Além de doula, Thalita é estudante de psicologia no semiárido baiano, em Feira de Santana, e despertou cedo seu amor pelo estudo da maternidade e todas as suas facetas. O desenvolvimento de pesquisas a fez conhecer histórias incríveis sobre mulheres e seus desafios como gestantes, puérperas e mães. Enquanto o senso comum prega a maternidade perfeita e os sacrifícios como naturais, ela busca mostrar que a mãe não anula a mulher e o outro lado de ser mãe nem sempre é tão animador. 

As mudanças no corpo, vida social, profissional, relacionamento conjugal se somam à “bomba de hormônios” que diminuem a libido, afetam a autoestima, oscilam o humor e provocam os medos irracionais. A pressão de se tornar a cuidadora primária de alguém que é totalmente dependente não para. Nem mesmo o espelho é amigo. Somado a isso, há quem escute “Tem mais um filho aí?”, “Ué, mas ainda não nasceu?” “E essa barriga?”. O luto é real. A autoestima se enterra.

Meu corpo (ainda é meu)

A nutricionista Nicole Amorim vive em Pojuca, na Bahia, e aos 23 anos acreditava ter chegado ao seu melhor corpo. Os treinos constantes e alimentação balanceada faziam parte da rotina. No entanto, após o nascimento de Maria Eduarda, as prioridades mudaram. O Instagram da nutricionista, antes focado em divulgar seu trabalho, agora mescla os posts sobre alimentação e treinos com fotos da pequena Duda e sua família. Em uma nova fase, a mamãe decidiu incentivar o autocuidado após a gestação.

Essa iniciativa vem junto a uma forte “onda” de desconstruções sobre a maternidade que Nicole prega todos os dias conversando sobre seus desafios nas redes sociais. “Por falta de apoio em casa ou estrutura psicológica, as mães vivem totalmente para o filho e acreditam que se tirar um tempo para cuidar de si, seriam péssimas mães”, conta.

Embora perceba que muitas mães não buscam apoio nutricional logo que o bebê nasce, a baiana criou um projeto nutricional que oportuniza às mulheres cuidarem da alimentação e de si no puerpério. “Por meio do que eu comecei a sentir no meu puerpério, eu percebi que não poderia ser a única”, revela.

Ninguém me disse

No caso de Ellen Midian, aos 25 anos e agora grávida do seu segundo bebê, a informação fez toda diferença na autoestima. Como psicóloga, entendia as nuances hormonais da gestante e como o puerpério poderia ser doloroso sem a devida organização. “Para prevenir frustrações, preparei-me lendo, pesquisando e tendo dicas de profissionais”, pontua a mãe da pequena Thauana. 

Contudo, o acesso a conteúdos sobre maternidade nem sempre é democrático. Poucas mulheres são informadas sobre vias de parto, rede de apoio e importância de ser ativa em todo o processo. Diferente de Ellen e Nicole, muitas não tomam as próprias decisões sobre sua gestação, parto e pós-parto.

Essa desinformação e o incentivo à cesárea angustia Thalita. A doula acredita que essa condição tira das mulheres a oportunidade de estarem confortáveis para receber o bebê, mesmo quando é possível fazê-lo sem intervenção cirúrgica. A cultura de uma posição passiva para a mulher no parto contribui para o número excessivo de cesárias, extrapolando o que deveria ser de 15%, segundo a OMS, para 55% de cirurgias no Brasil.

Somado a isso, o parto natural depreende horas de empenho da mulher e da equipe, o que torna a opção pouco orientada por parte de muitos médicos. Thalita não se opõe a cesárea, mas defende a autonomia e empoderamento das mães. “Conhecimento para que as mulheres possam escolher de forma consciente, pensando benefícios e malefícios de cada via”, reforça.

1+1+1=3 

Esse medo e desinformação acontecem com mais frequência com mães de primeira viagem. Mas essa já não é a história de Queila Ramos. A empreendedora não esperava ter três filhos, mas aconteceu. Conhecida por seus projetos de empoderamento feminino, destaca no Instagram da loja que é dona: Vista-se de Amor Próprio.

Mas nem sempre o autocuidado é fácil. Queila compartilha seus desafios nos stories e já tem seus bordões conhecidos pelas freguesas. “Vida me surpreenda”, “Deixa eu cuidar de mim!” fazem parte do incentivo de uma mãe de três para outras mulheres. “Eu tento mostrar momentos em que eu me satisfaço com isso, porque existem momentos em que a satisfação de ser mãe é muito grande, mas também existem momentos em que eu me sinto roubada de mim”, comenta enquanto Ellis de 4 anos a chama insistentemente.

Quando o tema é puerpério, cada gestação traz seus próprios segredos. Tendo vivido a experiência por três vezes, a dona da Amei Magazine não considera nenhuma igual. Na primeira, o preparo físico é maior e proporcional às preocupações. Passando para a segunda e terceira, algumas preocupações com o cuidado do bebê são dispensadas, porém o corpo sofre mais.

A intersecção entre todos é a maneira como a mulher passa a se enxergar e ser pressionada. “A gente tá com uma cirurgia ou um parto normal e tem que cuidar de si, cuidar de um bebê que a gente não conhece, entender o que ele quer, administrar a amamentação e você não consegue nem se olhar no espelho”, lamenta pela pressão social e enfatiza: “Tem mulher que não aguenta não”. Mas, entre escolhas de novos looks para loja, controle de caixa e milhares de outras tarefas, foi no apoio do seu marido e familiares que Queila encontrou amparo.

Quem tem apoio, tem tudo!

Em uma família tão numerosa quanto a de Queila, não faltam histórias de mães. Há dois meses, sua prima Deise Santos, 33, experimentou a maternidade pela primeira vez. Hellena chegou com choro forte e olhinhos puxados. O vestido vermelho foi a primeira roupinha escolhida pelos pais para apresentar a bebê ao mundo. A expectativa da família era tanta que a pequena conseguiu nascer no mesmo dia da bisavó e da prima (eu!). Explosão de alegria!

Sendo irmã mais velha, Deise sempre cuidou dos mais novos. Mas seu dom também se revelou como professora da educação infantil. Agora, com seu bebê nos braços, se sente realizada, mas conta que sofreu todas as pressões da maternidade perfeita que pregam por aí. “Eu tenho meu jeito de ser uma super mãe independente”, diz com confiança. 

Embora seja muito ativa e conte que sua maior dificuldade tenha sido depender, ela recebeu todo apoio possível. Do drive-thru de fraldas até o revezamento para ajudar a mãe com os cuidados do bebê, a família participou. Aos 11 anos, Julia não sai de perto da prima. “Eu amo muito ela, quero o bem e sempre ajudo a cuidar dela”, diz apaixonada.

Já Felipe Silveira tem 27 anos e é irmão de Deise. O estudante de Engenharia Civil não fica distante da sobrinha, mas também não deixa de abraçar a irmã. “Muitos têm por costume querer saber sempre da criança, mas é importante lembrar que a mãe também necessita de carinho e cuidado”, sorri. 

O trio de irmãos fica completo com Débora Ellen, tia da pequena Hellena e mãe de Julia. Muito sensível, ela participou de cada etapa da gestação. Para ela “a família deve ter um papel ativo na educação da criança, ensinando valores, amor próprio e mostrando o caminho certo”.

Paizão, papai

Ao contrário do que muitos pensam, o pai também tem seu período de puerpério. As diferenças existem entre a mãe, mas também há sacrifício e renúncias. Para o Itallo Santos, 32, o nascimento de Hellena foi um desafio. “O momento mais difícil foi nos dois primeiros dias na maternidade onde tive que alimentar, trocar fraldas, pôr para dormir… coisas que nunca havia feito antes”, confessa.

Ele concilia o trabalho de administrador com a nova e mais importante tarefa de sua vida: ser pai. Muito presente, Itallo divide ao máximo as atividades com a esposa Deise. Ele reconhece as oscilações no humor de ambos e como isso pode gerar conflitos, mas reforça: “Sempre ofereço colo ou uma massagem para tentar amenizar os efeitos do estresse”.

Mais que amor

Nem todos entendem, mas o amor não nasce com o bebê. Ser mãe é padecer no paraíso? Há quem diga que sim. Mas vai além. Amar é uma decisão. Horas de sono perdidas, rotinas reviradas, mudança completa.

Deise, Queila, Ellen, Nicolle são algumas entre várias mães que amam incondicionalmente, mas entendem que a maternidade nem sequer beira a perfeição. A rede de apoio e o conhecimento fazem toda diferença para que o puerpério seja seguro.

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