Ninguém se calou

Alunos, docentes e profissionais do Unasp-EC usam o conhecimento pelo fim da violência

Victória Coelho

O clima estava agradável. Nem calor insuportável, tampouco frio castigando. Passava poucos minutos das 20h e um auditório com capacidade para pouco mais de 200 pessoas estava lotado. As cadeiras não foram suficientes, alguns se acomodaram nos degraus do espaço, outros no chão mesmo. Olhos atentos, blocos de notas e canetas em punho, gravadores e câmeras ligados. Todos queriam ouvir. A responsável por toda aquela união de alunos e professores de diversos cursos foi Leticia Fernandes, 20, aluna do curso de Tradutor e Intérprete do Centro Universitário Adventista de São Paulo, Unasp, campus Engenheiro Coelho, mas ela não estava presente. A aluna foi espancada pelo namorado no domingo da mesma semana.

A coordenação do curso do Unasp ao qual a aluna pertencia direcionou um momento que os alunos teriam no auditório na quarta-feira, 4, para tratar dos temas: relacionamentos abusivos e violência doméstica, explanado pela psicóloga da instituição, Jéssica Silva.  O caso Leticia ganhou mais força quando divulgado nas redes sociais.

O coordenador dos cursos de Letras e Tradutor, Milton Torres revela que a realização do evento se deu para encontrar modos de a comunidade acadêmica se pronunciar acerca do ocorrido, dando expressão às inquietações dos alunos e professores, e ajudando-os a lidar construtivamente com os sentimentos negativos desencadeados pelo acontecimento. “Tentamos encontrar formas de interromper o ciclo da violência sem, com isso, criar um circo de violência. Por isso, convidamos uma psicóloga para que, de modo respeitoso e profissional, ela pudesse abordar os sentimentos da comunidade acadêmica e direcioná-los para a compreensão do acontecimento e a forma de evitar que coisas parecidas aconteçam no futuro”, propõe.

Alunos engajados

Apesar do clima agradável naquele dia, discutir o tema não foi, mas entendido pelos presentes, como necessário. A estudante, Mariana Avanzzi presente na palestra relembra que assuntos como violência doméstica não eram tão comentados. “Costumamos ficar chocados ao ver uma mulher nas condições de Letícia, completamente lesionada. De primeira, já nos colocamos no lugar dela e passamos a ter raiva do agressor que sem dúvida está errado, e não há justificativa. Mas com a palestra pude perceber que não sou tão evoluída, pois eu tenho dificuldade em ser empática com o agressor”, explica.

O público masculino também esteve presente nas reflexões. O aluno Pedro Faria apresenta-se preocupado com assuntos relacionados a proteção da mulher e a luta por direitos da mesma. Ele acredita que seu papel, como homem é lutar junto com as mulheres contra qualquer tipo de violência e preconceito.  Assim como a estudante Mariana, Faria destaca a questão da empatia, conceito debatido em profundidade no evento. “É importante refletir em vários pontos da palestra, mas principalmente na empatia, em se colocar no lugar do outro, se colocar no lugar delas, isso é extremamente importante pra quebrar os tabus do machismo e misoginia”, acrescenta.

Juntos pelo fim da violência

Para que o assunto fosse esclarecido, e possíveis reflexões fossem tomadas, a psicóloga dividiu seu conhecimento e bagagem de mundo com os presentes. A mesma destaca o papel da informação no combate à violência. “É preciso construir espaços de troca de informação, de construção de conhecimento. Para que os preconceitos e estereótipos possam ser questionados. E as pessoas possam resignificar, repensar suas atitudes, seus comportamentos e suas crenças sobre os atos violentos”, aconselha.

A profissional, apresentou um panorama geral de questões ligadas a violência doméstica, e reforçou que não existem justificativas para atos violentos. O evento foi só mais uma das tantas alternativas para que o ciclo tenha um fim. “Grupos de estudo, pesquisa, leitura, acolhimento individual psicológico, ou espiritual se a pessoa assim o quiser, palestras, oficinas, conversas fóruns, simpósios,” enumera.

Milton Torres, reflete sobre a necessidade de continuidade de eventos como esse. “Não queremos que o que aconteceu se repita mais. Por isso, vamos continuar com palestras e aconselhamentos a fim de vacinar a comunidade contra esses relacionamentos que podem se tornar tão destrutivos e com desfechos tão imprevisíveis”. Torres ainda ressalta a importância dos jovens compreenderem que, quando relacionamentos se tornam desgastados e destrutivos, é hora de abandoná-los. “Embora não seja fácil fazer isso, será possível fazer se os jovens encontrarem algum sistema que lhes possa dar apoio e orientações no processo. E é isso o que almejamos. O nosso desejo é que saibam que nós do UNASP estamos desejosos de ajudá-los nesse processo”, frisa.

Crédito da Imagem: Milton Torres

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