Capacitismo: O diálogo à espera

In Educação, Geral

Conversar sobre capacitismo, oportuniza o conhecimento e fortalece a desconstrução do preconceito contra pessoas com deficiência

Ana Clara Silveira

Observe que racismo, homofobia e outros nomes atribuídos a preconceitos tem grande parcela de difusão – especialmente nas redes sociais. No entanto, os comentários sobre a relação entre a sociedade e a inclusão das pessoas com deficiência, tecnicamente chamados PCDs, ainda caminham a passos lentos.

Pergunte na roda de conversas entre os amigos o significado de capacitismo e se surpreenda com a ausência de informações conhecidas sobre o tema. Grande parte do público, inclusive, acredita que o termo seja positivo. Basta pesquisar no Google Trends por “capacitismo” e a busca se mostra tão pequena, que já se pode prever: menos ainda se dialoga entre públicos, além daqueles que vivem esse preconceito.

O termo capacitismo foi traduzido do inglês “ableism”, que surge da premissa de existência do corpo perfeito, considerado “normal”. Quem foge desse padrão, tem sua capacidade e aptidão subestimadas.

Os PCDs sempre ouvem frases como: “Parece milagre!”, “Pensei que ela não seria capaz de executar isso” e outras incontáveis manifestações que podem ser entendidas como incentivo e heroísmo por seus feitos. Porém, conferem um falso protagonismo e se repetem com frequência nos ambientes de trabalho.

Oportunidades mudam perspectivas

Por entender a necessidade de incluir esse grupo aos lugares de reconhecimento e combater a desinformação sobre a capacidade de uma pessoa com deficiência, o administrador Luiz Neves criou cursos profissionalizantes na cidade de Alagoinhas, Bahia que pudessem garantir a formação profissional e incentivar o cumprimento da Lei de Cotas.

Ainda assim, Neves revela que encontrou dificuldades à princípio. Empregadores e PCDs se colocavam de lados opostos. Os acordos de contratação eram difíceis. Desde 1991, as empresas são obrigadas pela Lei de Cotas a contratarem uma parcela de pessoas com deficiência – proporcional ao seu quadro de funcionários –, porém, a negligência da lei era corriqueira.

A maior dificuldade apontada por Neves é que “de um lado, as pessoas com deficiência reclamam que as empresas não estão preparadas para recebê-las e, do outro, as empresas afirmam que não existem PCDs qualificados para assumirem os cargos que são oferecidos.” Mas o curso profissionalizante abriu espaço para desconstruir essa perspectiva.

Planejamento, divulgação, professores qualificados, ambiente acessível e preparação fizeram do projeto um grande diferencial na região. A iniciativa ganhou reconhecimento das empresas locais e garantiu projeções positivas aos alunos após o final do curso.  “Foram nove anos de atividades e mais de 50 pessoas contratadas em diversas empresas”, revela o coordenador e idealizador Neves. Ele acredita que “além de direcionar para o mercado de trabalho, o curso resgata a motivação, dignidade e autoestima de PCDs.”

Crescimento gradativo

Apesar de conquistas como essa, uma pesquisa divulgada pelo IBGE em 2010 evidenciou que apenas 1% dos 45,6 milhões de PCDs estão empregados. Desde então, a inserção no mercado tem aumentado, mas ainda de maneira inexpressiva diante do grande número de brasileiros com deficiência.

O intérprete da Língua Brasileira de Sinais, Getro Reisacompanha a trajetória de diversos surdos. Ele acredita que para esse público “essa realidade tem mudado, principalmente porque o ensino a distância tem tido maior alcance”. Quem acompanha o mundo digital tem notado a crescente de cursos, aplicativos e sites com acessibilidade em Libras ou ensino exclusivo para surdos, ainda que gradativo.

Deixando a desejar

Se por um lado tem crescido a oportunidade de formação profissional para PCDs de alguma forma, por outro, as opiniões de Reis e Neves coincidem sobre a falta de preparo de grande parte das empresas para receberem esse público. Em boa parte dos casos, por exemplo, não há infraestrutura acessível para PCDs com dificuldades motoras.

Além disso, Reis lamenta que as empresas considerem “o intérprete como uma função assistencialista e não profissional, desqualificando a profissão que atende aos surdos.” Neves acrescenta que “existe um preconceito muito grande e as empresas só querem abrir vagas de serviço, mas não de liderança e decisão.”

Volta por cima

Mas esse panorama pouco animador não significa ausência de PCDs que alcançaram sucesso em suas profissões. Ainda que o número de empresas que oportunizam esse crescimento para PCDs seja pequeno, há aquelas que buscam cumprir com essa proposta. E, além do emprego, também existe o empreendedorismo como alternativa.

O “influenciador da inclusão”, como é conhecido Ivan Baron tem milhares de seguidores no Instagram. Seu perfil é colorido, diverso e chama atenção pela criatividade do seu conteúdo. Ele desenvolveu o “Guia Anticapacitista” por vivenciar de perto o julgamento por suas limitações motoras.

Seu humor e linguagem didática são comumente elogiados pelo público que o acompanha. “Muita gente compartilha que não sabia das informações”, esclarece Baron, que considera o alcance como “gratificante e um combustível para continuar a jornada.”

Baron ainda revela as dificuldades que teve para iniciar sua atuação no meio digital. “Vergonha de gravar vídeos, ouvir a voz e ver a própria imagem” foram medos vencidos pelo influenciador. “Agora a dificuldade é a questão da visibilidade, fazer com que esse trabalho tenha alcance”, conclui.

Ele não é o único em destaque. Hejasan Santana atua na área da tecnologia da informação e afirma que se “consolidou no mercado de trabalho através de estudo, adquirindo conhecimento e aprendendo sobre seu local de trabalho.” Por outro lado, considera que as maiores dificuldades foram a “falta de acessibilidade física dentro da empresa, oportunidades de carreira e treinamento.”

Ainda que a busca seja pequena, ela tem acontecido. De pouco a pouco, mais pessoas têm entendido o capacitismo e a maneira de combatê-lo. Se toda revolução começa de um pequeno diálogo, que esse se fortaleça aqui e em outros meios.

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