Cicatrizes psíquicas

In Entrevista

O psicólogo Cassiano Oliveira explica como ocorre a dinâmica dos traumas infantis e as consequências para a vida adulta

“Olha o tamanho do meu bucho”, “Eu não vou para escola porque ‘tô’ horrível”, “Eu quero um marido”… Frases como essas são títulos de vídeos que vêm “rolando” pelas redes sociais. Mas não é só nelas que acontece assim. Todos os dias, crianças e adolescentes vivenciam traumas que podem permanece até a vida adulta. Apesar de terem menos de dez anos, as crianças que aparecem nos vídeos acima, reclamam e reivindicam questões estritamente adultas. São temas relacionados à aparência e a relacionamentos. Agora, surge a pergunta: por que crianças, com essa idade, estão se preocupando com esse tipo de coisa? Há respostas para isso. A repórter Rafaela Vitorino conversou com o psicólogo Cassiano Oliveira. Ele é pós-graduando em Filosofia e Psicanálise.

ABJ Notícias: Como tratar e identificar os traumas?

Cassiano Oliveira: Traumas são marcas que se inscrevem no psiquismo e que geralmente acabam por gerar alguma reação patológica. Geralmente os sinais podem variar bastante, com evidências claras no humor da criança, sua relação familiar e até mesmo na sua alimentação e sono. O psicólogo deve ser procurado no início do comprometimento destas funções psicofisiológicas básicas para que o comprometimento não aumente e o tratamento logre êxito o mais rápido possível. O tratamento varia de acordo com cada paciente, pois cada trauma manifesta a sua particularidade numa estrutura psíquica que também mantém a sua particularidade. O psicólogo define os rumos do tratamento através da análise singular de cada paciente.

ABJ: Quais são os traumas mais comuns que acontecem na infância?

Oliveira: Os traumas mais comuns são em geral assédios sexuais por partes de adultos, problemas nos contextos familiares, escolares e afins, perda de alguém próximo ou até mesmo algo da própria percepção da criança que não foi bem elaborado. Não é possível generalizar estes traumas através de pontos específicos. Geralmente se trata de uma dificuldade da criança em elaborar com os seus recursos psicológicos algum fator com uma carga psíquica intensa e angustiante.

ABJ: Geralmente eles são causados por outras pessoas ou nós mesmos podemos causá-los?

Oliveira: Os traumas podem ser causados tanto pela divergência dos recursos simbólicos da criança, quanto por alguma influência externa que exige uma resposta da criança para a qual a elaboração se torne difícil. Geralmente o que ocasiona o trauma passa por um período de elaboração na análise com a ajuda do analista.

ABJ: O que precisa acontecer para que um trauma se consolide e perpetue?

Oliveira: Como dito anteriormente, o trauma é uma marca que gera uma reação patológica advindo da divergência dos recursos simbólicos da criança e do fator causador. A perpetuação se dá quando a criança passa a sofrer pela não elaboração deste trauma e ele vai se agregando a outras representações psíquicas, ficando cada vez mais “alojado” na estrutura psicológica da criança. O trabalho do analista é facilitar a elaboração do trauma através dos pontos apresentados pela criança em análise.

ABJ: Os problemas psicológicos de um adulto, como os medos, são provenientes de traumas da infância ou há outros motivos?

Oliveira: As psicopatologias do adulto geralmente apresentam bases de modelos de enfrentamento da infância. Estes modelos infantis são tidos como basilares, pois em alguma época serviram para algum tipo de resposta diante de uma situação angustiante. Freud trabalha com a ideia do desenvolvimento psicossexual baseado em fases. Em momentos delicados, o adulto pode recorrer a atualizações destas fases para elaborar um recurso de estabilização frente aos seus traumas. A “birra” de um adulto, por exemplo, é uma manifestação de regressão a uma fase infantil de elaboração de determinado fator de angústia. Mas o analista não deve se limitar apenas a isto, e perceber como é possível contemplar dentro do âmbito terapêutico possibilidades de trabalho para que haja uma resposta mais adaptativa ao paciente.

ABJ: Por que alguns traumas são marcantes, enquanto esquecemos outros?

Oliveira: O trauma, sendo uma inscrição, pode por vezes ser um fator psicopatológico ou não. Geralmente apenas quando se apresenta algo da ordem de um adoecimento psíquico é que é possível ver que ali houve um trauma. Mas em inúmeras situações da vida outras marcas se inscrevem e o psiquismo funciona bem com elas.

ABJ: Há alguma forma de evitá-los?

Oliveira: Não há uma forma prescrita para evitar qualquer tipo de trauma. Como seres humanos, estamos sempre à revelia do acaso e das situações de toda ordem. Lembremos que o excesso de zelo na criação da criança também pode ser um potente causador de adoecimento. O ideal é que o desenvolvimento da criança propicie a ela o máximo de recursos simbólicos possíveis para que, nos casos de aparecerem os traumas, eles não sejam um motivo de forte adoecimento. Mas em linhas gerais, os traumas tendem a acontecer e esta é uma faceta do ciclo natural da vida.

 

 

 

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