Dia do Inventor: do surgimento das ideias às lutas da criação

In Ciência e Tecnologia, Entrevista, Geral

Apesar de contribuírem grandemente com inovações, inventores independentes ainda lutam por reconhecimento.

Lucas Pazzaglini

Hoje, 4 de novembro, é comemorado o Dia do Inventor. A data foi idealizada pelo Alemão Gerhard Muthenthaler, e tem como objetivo incentivar a criação de novas ideias e o reconhecimento desses profissionais que contribuem tanto para a construção da nossa sociedade. 

Para celebrar essa data e entender um pouco mais sobre essa profissão, entrevistamos o profissional da área, Paulo Daniel Gonçalves Gannam. Com 40 anos, Gannam acumula duas funções: venda e locação de imóveis, como trabalho principal, e a criação e desenvolvimento de novos produtos, bem como a proteção intelectual dos mesmos através de pedidos de patente.

ABJ Notícias: Vamos falar um pouco sobre o início da sua carreira como inventor. De onde veio essa vontade? 

Paulo Gannam: Essa é uma boa pergunta, porque na verdade foi um processo. Eu nunca imaginei, por exemplo, na minha infância ou adolescência, que na vida adulta eu acabaria me tornando um inventor. Mas um marco importante eu te diria que foi quando eu estava no terceiro ano da faculdade de Comunicação Social, em 2005, quando eu morava em Taubaté. Era uma época de chuvas fortes e eu percebi que no trajeto da faculdade até em casa, mesmo eu usando aqueles guarda-chuvas, os maiores possíveis, a metade da frente dos meus calçados ficava molhada todo santo dia, e aquilo começou a me incomodar muito. E aí me veio a ideia de criar um produto que pudesse revestir e impermeabilizar a metade da frente dos meus calçados de forma discreta e elegante para que quando eu saísse os meus pés não se molhassem. Fiquei com essa ideia na cabeça, mas por conta de atividades da faculdade e por falta de autoconfiança, acabei deixando a ideia de lado. Mas daí vem a minha tendência para esse lado inventivo. 

ABJ: Paulo ainda conta como sua paixão por açaí na tigela o influenciou durante o seu processo para se tornar um inventor. Ao procurar, e encontrar, uma cremosidade específica da iguaria ele decidiu abrir um negócio para comercializar esse açaí, mas para isso ele precisaria de uma máquina, porque era um processo muito demorado para fazer manualmente. Ele ficou seis meses tentando construir essa máquina, mas o máximo que conseguiu foram muitas explosões do aparelho, porque era algo que estava partindo do nada.

Apesar das ideias iniciais não terem rendido o resultado esperado, Paulo se encontrou no meio inventivo e a partir daí surgiu um turbilhão de ideias. 

PG: Eu sinto que isso despertou muito a minha mente para a sensibilidade criativa. E a partir de então eu não parei mais. Seja tomando um cafezinho na esquina, seja colocando o pé na estrada, eu comecei a observar situações do comportamento das pessoas e no funcionamento dos objetos, que sempre me faziam identificar um problema e na mesma hora eu tentava imaginar uma solução.

ABJ: E como é o processo de encontrar um problema e desenvolver uma solução?

PG: Eu me predispus a enxergar problemas com mais facilidade.  Tendo essa sensibilidade quando eu olhava um problema imediatamente eu o anotava e tentava  imaginar uma solução através de um produto, o que é um processo não muito simples, dependendo da ideia que você tem. Existem ideias que para você executar é preciso uma equipe muito grande de desenvolvimento. Então até na hora de você ter uma ideia e levar essa ideia ou não pra frente é preciso considerar a complexidade tecnológica para fazer aquele produto acontecer.

ABJ: O inventor no Brasil trava muitas lutas para ter seu trabalho reconhecido. Paulo comenta que o profissional da área tem que aprender a gerir e calcular muito bem o risco da atividade  que ele está pensando em adentrar, porque criar e desenvolver um produto, e fazer com que ele atinja um patamar que seja aceitável e confiável, para o meio empresarial, não é um processo simples.

PG: É um trabalho que muitas vezes envolve tarefas que vão perdurar por anos, com risco de ele não realizar o sonho de ver aquele produto no mercado, sendo um sucesso de venda, vendo com o que as pessoas ficaram satisfeitas e gerando algum retorno financeiro tanto para a empresa, quanto para ele, pelo trabalho de anos que foi desenvolvido. Então eu acho que a coisa mais importante é o inventor ter em conta que o fracasso é uma grande possibilidade. Para quem trabalha com inovação, com pesquisa e com desenvolvimento de novos produtos, eu sempre falo que é preciso aprender a brindar o fracasso todos os dias. Deu errado? Um brinde a esse fracasso! Vamos tentar uma próxima ideia para fazer isso dar certo. Isso foi uma coisa que os anos me ensinaram. 

ABJ: Paulo destaca que faltam programas de aceleração que deem subsídios financeiros para que os inventores independentes possam desenvolver protótipos físicos, o que não é algo barato e simples de se encontrar. O mercado carece muito desses profissionais de desenvolvimento. Todo o processo requer tempo, dinheiro, energia e conhecimento técnico que muitas vezes o inventor não tem, e por isso é importante ter um apoio. 

PG: Eu, por exemplo, entrei em contato com praticamente todos os núcleos de inovação vinculados a universidades que poderiam dar algum auxílio nesse sentido ao inventor independente. Mas a maioria desses núcleos ou estão sucateados ou muitas vezes priorizam projetos, professores ou alunos matriculados. Então existe uma falta de equipes para atender essas pessoas e a maioria dos editais de inovação são voltados para empresas que têm uma estrutura, uma equipe qualificada e que já estejam funcionando há um tempo.

ABJ: A maioria dos inventores, no Brasil, exerce alguma atividade paralela, a fim de investir em seu próprio projeto, já que não existe um apoio por grandes empresas.

PG: O problema é que o mercado é muito selvagem, ele não vai ficar esperando o inventor ter dinheiro para acelerar o projeto dele, porque tudo tem um tempo. Às vezes a pessoa tem uma ideia agora, e ela pode lançar a ideia daqui daqui a dez anos, mas essa ideia já pode se tornar obsoleta até lá. Então existe essa dificuldade, além da dificuldade do processo de patente no Brasil.

ABJ: Qual é o papel do inventor na sociedade e por que ele deve ser mais valorizado?

PG: O inventor, quando cria algo de fato inovador, que tem aplicação industrial, que tem o fator de novidade suficiente para que um grande número de pessoas possam ser beneficiadas e quando ele protege isso por meio de um pedido de patente, tem a patente concedida, existem muitos benefícios sociais econômicos. Então, por exemplo, a sociedade passa a ter acesso a produtos e serviços que ela não teria se não fosse o trabalho do inventor. A população se beneficia com os novos produtos porque, dependendo do produto que for criado, novas cadeias produtivas também são criadas e com isso empregos são gerados, as pessoas melhoram a renda, as empresas melhoram os seus lucros  e acabam por sua vez pagando mais impostos e isso vai girar a economia. Isso mantém a sociedade evoluindo tanto em nível social quanto econômico. 

ABJ: Encontrar o problema e desenvolver soluções é um dos processos mais antigos que existem, e graças a pessoas como Paulo, levamos uma vida mais confortável e acessível. Apesar disso, muitos desses profissionais ainda não têm o reconhecimento e investimento necessários para que possam fazer uma diferença real dentro da sociedade. 

PG: São muitos entraves, e no meio dessa confusão toda eu vou cumprindo com tarefas diárias focando no meu objetivo. O produto no mercado vai acontecer, o que tiver que acontecer vai acontecer, mas de fato é uma jornada bastante trabalhosa.

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