Lucy Bronze leva prêmio da Uefa, mas reconhecimento para o futebol feminino ainda é escasso

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O caminho para ter o mesmo “valor” que os homens perante o público ainda é longo

Hellen Piris

Os jogadores de futebol Van Dijk e Lucy Bronze levaram os prêmios “The Best” outorgados pela União das Federações Europeias de Futebol (Uefa), na quinta-feira (23) em Mônaco, França. Ambos atletas conquistaram o mesmo prêmio em suas respectivas classificações, os dois tiveram um ótimo desempenho no campo, mas o destaque que tiveram, não foi o mesmo.

Lucy Bronze (27) foi a primeira inglesa em conquistar o título de “melhor atleta do ano pela Uefa”. Ela já jogou em times como Liverpool, Manchester City¸ Everton¸ Sunderland e Olympique Lyonnais, clube onde joga atualmente como zagueira. Sua concorrente mais próxima foi a Norueguesa Ada Hegerberg, porém, nas votações, a Lucy venceu com uma diferença de 32 pontos. Após receber o título, ela comemorou: “Estou encantada e sinto-me muito humilde por ter vencido o prêmio à frente de duas fantásticas jogadoras que conheço muito bem do Lyon. Quero agradecer às minhas colegas da seleção de Inglaterra. Penso que qualquer uma das minhas colegas de clube podia receber o prêmio”.

Atualmente, o futebol feminino enfrenta desafios em sua divulgação, remuneração e reconhecimento. O caminho para ter o mesmo “valor” que os homens perante o público ainda é longo. A professora de educação física Claudia Noriega explica que os homens “geram mais lucro” porque vendem mais entradas para os jogos, já que existem mais expectadores para o futebol masculino do que para o feminino. As pessoas associam o futebol com um esporte rude e de bastante resistência, e tem o estereótipo de que as mulheres não possuem a tática e resistência suficientes. Na verdade, o contrário acontece. As mulheres possuem menos rapidez no jogo, mas, em compensação, contam com uma habilidade de resistência melhor, e por isso possuem uma técnica mais exata. Claudia garante que as mulheres podem alcançar o mesmo desempenho físico em comparação aos homens na hora de jogar; tudo depende da dedicação e esforço aplicado. “Se a mulher se propor, pode conseguir uma técnica até melhor que a do homem, já que elas possuem a motricidade fina melhor desenvolta, e é mais fácil desenvolver a motricidade grossa. Nos homens é ao contrário”, assegura. Essa habilidade permite à mulher fazer movimentos mais precisos com a bola. A educadora lembra que se formou com 20 homens e três mulheres, e que não existia orçamento para que elas jogassem futebol. “Para os homens sempre havia muito fomento para que treinassem e para a compra dos seus uniformes, mas para nós não”, conclui.

“Esporte de mulher”

A estudante de direto e fã de futebol Bianca Leandro manifesta que ainda existe um preconceito bastante grande com relação ao futebol feminino. Ela explica que o futebol masculino, além de ser clássico, considera o feminino como um “esporte de mulher”, e que se torna menos lucrativo devido à pouca demanda que possui. “As pessoas têm mania de rotular esportes a um gênero”, alega. Ela compara a situação das mulheres no futebol ao preconceito sofrido por homens bailarinos. No entanto, graças aos meios de comunicação, as mulheres têm conquistado espaço na sociedade. A estudante também comenta o impacto positivo da transmissão da Copa do Mundo pela Rede Globo: “para o público admirador do futebol feminino, foi motivo de grande alegria. Para as jogadoras, foi uma vitória. Para a sociedade, foi um grande passo para o fim desta era preconceituoso e machista”, conclui.

Carência de publico diário

Mesmo assim, o jornalista esportivo Ricardo de Melo Coelho, melhor conhecido como PVC, pondera que o futebol feminino “ainda não conseguiu o espaço que ele merece”. Coelho constata que o espaço que o futebol feminino merece é o espaço que o publico lhe der, e que o desafio da modalidade não é atrair pessoas aos grandes eventos esportivos, e sim manter o mesmo público quando eles terminam. Portanto, a maior dificuldade é a carência de público fidelizado e diário.

Lugar de todos e para todos

O futebol é só uma das áreas onde as mulheres ainda tentam ganhar seu espaço e se desenvolver com os mesmos direitos e privilégios que os homens. A jornalista e Mestre em Divulgação Científica e Cultural, Andreia Moura, explica que este é um caso de ignorância social. “Sociedades que veem com maus olhos a presença da mulher no estádio – ou em outros espaços que cultural e historicamente são ocupados majoritariamente por homens –, ‘ignoram’ possibilidades comportamentais, relacionais, sociais mais complexas que aquelas a que foram doutrinados por uma tradição”, aponta. A sociedade latina, que, segundo Moura, é de fato muito machista, enxerga o homem com o papel de “protetor”, “provedor” o “patriarca”, e devido a este estigma social, a sociedade é instruída, seja consciente ou inconscientemente, a agirem e aceitarem papéis específicos. No estádio, os homens gritam, bebem e xingam, enquanto “uma mulher decente e boa” não a faz. Nesse contexto, não existe espaço para a mulher, e, se ela está nesses ambientes, é considerada não tão “idônea –, já está corrompida. Outro caso similar é a mulher como chefe. O pensamento coletivo dita que “boas mulheres” não mandam, são submissas e obedientes. “Há muitos espaços onde o doutrinamento cultural/tradição/machista impera, criando esta falsa percepção de que não pertencem a mulheres”, salienta a jornalista.

O peso social e histórico que ainda permeia a vida de tantas mulheres é real e atual, e ele não existe somente no futebol, e sim em grande parte da sociedade. Mas, mesmo nesse cenário, existem várias ações que mulheres e homens podem tomar para apoiar a causa feminina. Andreia acredita que “o primeiro passo é o próprio empoderamento. É se entender como capaz, como livre, como independente, como individuo de igual direitos com qualquer representante de outro gênero”. As mulheres que acreditam em seu potencial e lutam por alcançar seus objetivos independente dos obstáculos impostos pela sociedade geram, através da sua atitude, “um movimento fortalecedor para as mulheres que a rodeiam, e começam a incentivar o empoderamento de outras mulheres”, reflete a pesquisadora.  Por isso, não existe “lugar de mulher” ou “lugar de homem”, cada indivíduo é capaz de estar onde quiser.

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