O dilema das queimas prescritas: fogo para evitar incêndios

In Geral, Meio Ambiente
Queima prescrita em plantação

Queimas prescritas vêm crescendo em incidência como forma de reduzir o risco de incêndios no Cerrado e Pantanal, no auge da seca.

Melissa Maciel 

A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo, em parceria com o Serviço Florestal dos Estados Unidos e com a Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil, promoveram, em abril deste ano, um evento on-line que tratou das ações de manejo do fogo e capacitação de pessoas para a prevenção de incêndios descontrolados, principalmente em épocas de seca.

Neste evento, a palestrante Dawn Sanchez, oficial de Informações Públicas e Especialista na Prevenção de Fogo do Serviço Florestal dos EUA, apresentou teoria e planejamento para manejo das queimas prescritas. Além disso, salientou a importância da prática para a preservação da biodiversidade e manutenção da saúde dos biomas.  

O que são as queimas prescritas?

As queimas prescritas são queimadas controladas feitas antes da época de seca. A prática visa reduzir o montante de material inflamável, como capim e folhas secas, que podem propiciar grandes incêndios ocasionados por fatores naturais, como raios.

Elas são realizadas em diferentes áreas por vez, de forma a proporcionar uma rota de fuga aos animais e tempo para a vegetação se regenerar. Os agentes da ação monitoram as chamas para evitar que elas se propaguem para outras áreas. 

No Brasil, estas ações são mediadas por instituições de conservação ambiental como o  Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Queimadas controladas no Brasil

Esta prática começou a ser adotada no Brasil a partir de 2014, em estados onde predomina o bioma cerrado. Em 2017 as queimas passaram a ser aplicadas também na região amazônica, em áreas savânicas. Em 2021 a técnica foi implantada no pantanal, um ano após o bioma sofrer incêndios avassaladores.  

Nos dias 24 e 25 de março de 2022, a equipe do Parque Estadual Serra Verde, em Belo Horizonte, deu início às aplicações das queimas prescritas para prevenir incêndios florestais na unidade de conservação. Essa prática é respaldada pelo Código Florestal Mineiro, Lei Estadual 20.922/2013 e a atividade é sempre submetida à aprovação do Programa de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais.

Atuação do Ibama 

O plano de ação do Ibama para 2021 previa que, no ano, um milhão de hectares fossem tratados por meio do fogo controlado, reduzindo o combustível florestal. As queimas prescritas são realizadas pelo Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) e suas Brigadas Federais (BRIFs). Os brigadistas seguem critérios definidos para a execução das queimas, como época específica para realização, frequência de queima, intensidade e velocidade das chamas. 

De acordo com o Ibama, os ecossistemas necessitam das queimadas, porque algumas espécies de plantas só florescem depois da renovação pelas chamas. Além de que, sem esses processos a vegetação pode sofrer alterações que afetarão a manutenção dos aquíferos.

Em dezembro de 2021 o Ibama promoveu o primeiro curso de queima prescrita do Brasil. A iniciativa aconteceu em Roraima e foi um acordo entre Brasil, Alemanha e Costa Rica em favor do Equador. As políticas preventivas abordadas no curso também preveem a capacitação de estados e municípios, ampliando assim a capacidade de preservação.

Vantagens e Desvantagens 

Além da redução do risco de incêndios, estas queimas podem criar um cenário que favoreça a biodiversidade da fauna e flora do cerrado. As chamas permitem a renovação da vegetação rasteira e despertam a germinação de sementes. As folhas jovens da rebrota alimentam mamíferos, e a abundância de flores pode atrair polinizadores.

O professor de Geografia e História José Antônio Aguiar explica que esta técnica promove a queima da biomassa superficial e traz a possibilidade de carbonização e fertilização do solo. “Geralmente o solo do cerrado é do tipo latossolo , portanto, pobre em nutrientes, as queimas prescritas ajudam esse solo a receber uma quantidade de carbono e fertilização natural vinda da biomassa superficial que foi queimada”, esclarece.

A tendência da vegetação do cerrado é ficar progressivamente mais densa à medida que não é manejada com fogo controlado. Diante disso, o professor expõe que as queimas controladas evitam que espécies menores da flora sejam prejudicadas e sufocadas pelas maiores.

Estes conceitos e processos ecológicos também são abordados e explicados no artigo From ashes to flowers: a savanna sedge initiates flowers 24 hours after fire, publicado em 2019, na revista Ecology. Neste estudo, a autora Alessandra Fidelis, bióloga e professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) apresenta, também, uma espécie de planta típica do Cerrado que reinicia sua floração 24h após a queima.  

A perita ambiental Renata Pifer explica que combater incêndios florestais sempre foi um desafio, uma vez que as comunidades utilizam as queimadas para renovação da vegetação e preparação do solo para a prática agrícola. 

“Dessa forma, quando eu insiro a queima como uma prática controlada, como é este o caso, dentro dos parâmetros do Manejo Integrado do Fogo (MIF), eu evito mitigar os danos ambientais”, expõe Renata.

Clayce Goulart, engenheira agrônoma pós-graduada em ecologia e gestão ambiental, explica que “os agricultores adotam as queimadas por ser um método barato, porém, as suas consequências a curto e a longo prazo são muito prejudiciais.” Entre os malefícios destacados por Goulart estão: a perda de nutrientes importantes para o desenvolvimento das plantas, redução da umidade e a eliminação da diversidade biológica.

É por isso que a legislação proíbe o uso do fogo para suprimir vegetação, com raras exceções, como no caso de práticas de subsistência das comunidades tradicionais ou queimas controladas em unidades de conservação. Em áreas privadas, no entanto, as queimadas são ilegais. 

Outra questão que gera questionamento quanto à prática das queimas prescritas, é a emissão de gás carbônico, vista como algo que pode fomentar o aquecimento global. Quanto a isso, porém, a perita Renata comenta que o aquecimento global não tem uma única causa e que as emissões das queimas prescritas, especificamente, não chegam a impulsionar significativamente o aquecimento global.

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