Entenda a polêmica da PEC das praias

In Geral, Meio Ambiente, Política

A polêmica levou o relator da proposta no Senado, Flávio Bolsonaro, a afirmar que vai alterar o texto da PEC, para deixar claro que as áreas à beira-mar de uso público não serão privatizadas.

Natália Goes

A Proposta de Emenda à Constituição(PEC) que visa mudar as regras sobre os terrenos da Marinha suscitou debates nos últimos dias com a tramitação no Senado.  A PEC 3/2022 foi aprovada na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022 com apoio de partidos de direita e centro-direita e votos, também, de deputados do PCdoB, PT e PSB. A proposta foi batizada de PEC das praias, que propõe a transferência de terrenos à beira-mar para estados, municípios e ocupantes particulares.

Com a possibilidade de privatização desses terrenos e também do acesso às praias, o relator da proposta no Senado, Flávio Bolsonaro, afirmou que vai alterar o texto da PEC, para deixar claro que as áreas à beira-mar de uso público não serão privatizadas. “A PEC trata apenas dos terrenos já ocupados, e o espaço público, que é a praia, vai continuar sendo de uso comum de todos os brasileiros”, disse em entrevista coletiva.

Quem também falou sobre o tema em uma entrevista coletiva foi o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), “Não estamos discutindo privatização de praias. Enquanto o Brasil e a tratativa das matérias legislativas forem feitas dessa maneira, corremos sérios riscos de estar votando discussões que não condizem com a verdade”, afirmou.

Terrenos de Marinha

Embora o nome seja “terrenos de Marinha”, não pertencem à Marinha. Os terrenos são de propriedade da União, localizados entre a linha imaginária das marés altas a uma faixa de 33 metros para dentro do continente.

Diante da polêmica da proposta, a Marinha do Brasil se pronunciou em nota dizendo que as áreas litorâneas “são pilares essenciais para a defesa da soberania nacional, o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente.”

Em nota, a Marinha ainda defende que a PEC seja amplamente discutida. “Tendo em vista a diversidade de ecossistemas, a importância das atividades econômicas relacionadas aos ambientes marinho e fluviolacustre, além da necessária proteção de 8.500 km de litoral, a partir do adequado preparo e emprego da MB em nossa Amazônia Azul. A MB reitera que as dimensões continentais do Brasil e a complexidade de sua sociedade requerem o amplo debate em torno do tema, a partir da participação de toda sociedade”, diz o texto.

Como é hoje?

Atualmente, a legislação permite que empresas, estados, municípios ou agentes privados compartilhem a propriedade desses terrenos com a União, que detém 17% do valor da terra. Para a ocupação, é necessário o pagamento de duas taxas para o Governo Federal.

A taxa foro é uma taxa anual, que equivale a 0,6% do valor do terreno da propriedade ou do domínio do terreno. A taxa de ocupação também é uma taxa anual, equivalente de 2% a 5%, cobrada pela ocupação regular. Já o Laudêmio é uma taxa de 5% sobre o valor do imóvel no momento da venda.

Como ficaria com a PEC?

Com a PEC, os lotes de terrenos deixariam de ser compartilhados entre a União, e quem os ocupa, e teriam apenas um dono. Segundo o texto, o Governo Federal poderá vender sua parcela e permaneceria apenas com as áreas ainda não ocupadas e os locais onde são prestados serviços públicos, como portos e aeroportos.

A proposta que retira da União a exclusividade dos terrenos não fala sobre o formato que seria feita a venda, mas seria possível para os terrenos já ocupados e aos ocupantes. Em relação a transferência gratuita do terreno, só aconteceria para áreas ocupadas por habitação de interesse social. 

Impacto econômico

Com a transferência ou venda, as taxas federais, como foro e laudêmio, deixarão de ser cobradas. Porém, a transferência de propriedade e venda dos terrenos pode gerar cobranças bilionárias para os ocupantes que não fazem parte da habitação de interesse social.

De acordo com o relator da PEC das praias, Flávio Bolsonaro, a estimativa é de que possam gerar mais de R$130 bilhões em arrecadação para a União. Segundo o economista Amadeu Fonseca, a privatização dos terrenos da Marinha tem potencial para impulsionar o desenvolvimento econômico local, com impactos positivos e negativos.

Sobre os impactos positivos, Amadeu fala que o turismo seria o maior propulsor da economia local. “O estímulo ao turismo também poderia beneficiar a economia local, aumentando a oferta de serviços turísticos e gerando mais empregos”, relata.

O especialista ainda comenta que é crucial considerar os impactos negativos. “Há o risco da privatização favorecer indivíduos e empresas com maior poder aquisitivo, agravando desigualdades sociais e econômicas”, comenta.

Divergências

O Governo Lula e ambientalistas discordam da proposta. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que o governo é contra a PEC. “O governo tem posição contrária a essa proposta. O governo é contrário a qualquer programa de privatização das praias públicas, que cerceiam o povo brasileiro de poder frequentar as praias. Do jeito que está a proposta, o governo é contrário a ela”, afirmou em entrevista coletiva.

Além do Governo, o ambientalista e advogado Hidalmar Duarte fala sobre as construções em estudo nos terrenos à beira-mar. “A PEC abre brecha para que os grandes empreendimentos, sem a realização de prévio estudo de impacto ambiental, possam afetar o nosso ecossistema, causando prejuízos à biodiversidade costeira”, comenta.

Ele ainda alerta para os prejuízos nas áreas costeiras. “Empreendimentos nas proximidades da faixa de areia significa mais esgoto lançado no mar, mais doenças para a população, poluição na cadeia alimentar, contaminação de peixes e mariscos, morte dos animais marinhos, enfim, desequilíbrio nos ecossistemas”, alerta Hidalmar. 

Para o ambientalista, o impacto não se resume apenas ao meio ambiente, mas também à população. “Os impactos se estendem às comunidades tradicionais, com pescadores, ribeirinhos, que poderão ser impedidos de desenvolver suas atividades, proibindo-os de ter livre acesso às áreas privadas”, relata.

Realidade das áreas litorâneas 

Embora a PEC das praias ainda esteja em tramitação e os parlamentares confirmem que as áreas à beira-mar de uso público não serão privatizadas, não é isso que vem acontecendo no litoral do nordeste. 

O surfista e funcionário público Oscar Costa relata que já foi privado de surfar em uma praia. “Em São Miguel dos Milagres, Alagoas, já existem algumas áreas da praia que você só consegue acessar por meio do pagamento de um Day Use, assim como na Praia dos Carneiros em Pernambuco”, conta.

Além disso, o surfista confessa que a privatização das praias pode afetar diretamente o esporte. “O surf é um esporte democrático, porém, com a privatização nem todo mundo poderá acessar determinadas praias, condicionando a prática do esporte a um seleto grupo de pessoas que têm condições para pagar esse acesso”, desabafa.

Para entender como funciona e qual o posicionamento dos resorts a beira-mar sobre a PEC das praias, foi procurado o Resort Jardim Atlântico, localizado em Ilhéus, na Bahia. A gerente de vendas, Tais Castro, retornou o contato informando que não estava ciente da PEC.

Polêmica nas redes sociais

A PEC das praias ganhou grande repercussão na mídia e depois nas redes sociais logo depois do jogador de futebol Neymar Jr. e a atriz Luana Piovani discutirem. No dia 30 de maio, Luana Piovani pediu em seu perfil do Instagram que seus seguidores votassem contra a PEC e criticou o jogador por seu possível apoio a uma construtora.

A troca de farpas não terminou por aí e o jogador respondeu a atriz chamando-a de “louca”, “mal-amada falastrona” e disse que “tem que enfiar um sapato” na boca da Luana.

Depois de toda a repercussão, o senador Flávio Bolsonaro, relator da PEC no Senado, continuou negando que a PEC iria privatizar as áreas comuns à beira-mar.

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