Tempestades emocionais

In Geral, Saúde
Fernanda

A história de superação e recomeço de Fernanda, uma estudante de Arquitetura que recuperou as esperanças.

Bruna Moledo

As paredes delicadas e pintadas de rosa claro do prédio em que eu me encontro, de certa forma, destoam da conversa que eu estou prestes a iniciar. Com um pensamento fugaz, imagino como seria se a paleta de cores fosse alterada de modo a combinar com o assunto de minha conversação. Mas, quem define que cores mais se encaixam com o luto, a perda e a depressão? 

Nos sofás cobertos por almofadas, uma menina me aguarda. “Me conta a sua história”, pergunto logo de início. Afinal, era esse o motivo que me trouxera até ali. Entender a trajetória de lutas e superações de alguém que se recuperou de crises depressivas. “Tá bom, vou contar rapidinho”, responde Fernanda Santos. Com olhos castanhos e um sorriso fácil, a estudante de Arquitetura se ajeita no sofá e me conta sobre sua vida.

Nascida em um lar que exalava violência, a jovem não teve uma infância fácil. Seu pai era abusivo e agredia Fernanda, suas irmãs e sua mãe. Desde muito cedo, isso a levou a buscar refúgio na religião. Quando confrontada com sua dura realidade, a menina sentia que sentimentos ruins tomavam conta de sua mente, e ia para a igreja clamar por mudança. Em meio a essa criação complicada e o conflito interno, surgiu uma mulher que não saía da linha.

“Todo mundo sempre falou que eu fazia tudo certo”, afirma ela enquanto narra os capítulos de sua história. Por três vezes ela repete que sempre foi muito “certinha”. “Eu dava bronca nas minhas irmãs mais velhas”, me garante com um riso despretensioso. E assim a vida seguiu. A espiritualidade era sua âncora e guia, e por mais que os desafios parecessem não diminuir, Fernanda prosseguia firme. “Eu cresci assim, aguentando firme tudo o que vinha pela frente”, diz.

No entanto, um dia suas perspectivas e oportunidades mudaram. Recebeu uma bolsa de estudos para ir para o UNASP, e mal podia acreditar no que estava acontecendo. “Consegui a bolsa, agora vai ser melhor, vai ser o céu”, pensou. Ao começar seus estudos, construiu para si uma vida ativa. Cantava, participava de três corais, ia para projetos sociais e pregava em igrejas da região. O passado parecia cada vez mais distante, e a vida cristã fielmente regrada finalmente começava a dar frutos. Até que, a primeira tempestade estremeceu suas certezas.

O início das tempestades

O primeiro problema que atravessou o escudo que a jovem criara tão bem ao redor de si, veio de dentro. De dentro de seu círculo íntimo de amizades. Uma de suas amigas na faculdade, alguém que considerava parte da família, a decepcionou de forma irreparável. “Fiquei no chão”, confessa Fernanda para mim, enquanto relembra os acontecimentos com uma expressão resignada. E não apenas isso, em uma sucessão de desapontamentos, o relacionamento amoroso em que estava inserida também terminou. Mais uma vez, seu coração se encheu de decepção por algumas das pessoas que mais importavam para ela. 

“Perguntei para Deus, por que minha vida é tão difícil, e a vida dos outros é tão boa?”, revela, enquanto solta uma risadinha sem graça. “Enfrentei várias decepções, uma atrás da outra, fiquei revoltada”, continua. Após a sequência de golpes emocionais, a vida espiritual tão bem construída que a mantinha firme em meio a muitas situações, começou a desmoronar. Com a revolta, veio a dificuldade em entender o motivo pelo qual seus dias se mostravam tão complicados, enquanto ao seu redor, pessoas menos fiéis a seus ideais e princípios, pareciam progredir.

Notícias ruins não caminham sozinhas

Aquilo que já era difícil de digerir, evoluiu para uma situação pior. Prosseguindo com a história, Fernanda me conta que tem problemas na patela do joelho, e que naquele período, seu joelho inflamou. “Tive que trancar a faculdade e voltar para Salvador para fazer o tratamento”, completa.

Quando finalmente conseguiu retornar para o UNASP, teve outra surpresa infeliz. A coordenação de seu curso havia passado por uma mudança. A grade estava reformulada, e por motivos técnicos, a jovem não poderia mais realizar o seu trabalho de conclusão de curso naquele ano. O maior problema era o fato de que sua bolsa não cobriria mais um ano, um período de tempo que seria necessário para que ela pudesse concluir seu TCC, segundo a coordenação.

Foi nesse momento de incertezas e dificuldades, que as crises depressivas começaram. Com episódios de tristeza extrema e falta de ânimo, Fernanda passou a enfrentar aquilo que milhares de pessoas no mundo sentem diariamente. Os problemas, no entanto, pareciam se multiplicar diante dos olhos da jovem. Dois eventos em especial, marcaram e aprofundaram ainda mais o lugar sombrio no qual se encontrava. 

 “Nesse período meu pai e minha irmã começaram a adoecer”, explica ela. E não somente os membros de sua família, mas outra pessoa extremamente importante para ela também ficou enferma. “Uma amiga de Salvador sentia muitas dores de cabeça e descobriu que tinha uma doença rara”, revela. Essa amiga de Fernanda ia se casar, e a jovem me confessa que até o vestido de noiva já estava comprado. Segundo ela, sua amiga fez uma cirurgia que supostamente resolveria sua enfermidade, e seria sem risco algum. O procedimento, no entanto, não funcionou. Após realizarem outro, com a esperança de resolver o problema, os médicos informaram a família que a menina tivera um infarto durante a segunda cirurgia. Após uma semana em estado vegetativo, ela faleceu.

 “O meu chão caiu, não me lembro de ter outra pessoa tão próxima de mim que morreu”, declara Fernanda. Durante o triste processo, ela e toda sua comunidade espiritual oraram e intercederam pela vida de sua amiga. Mas ainda sim, o resultado fora o mais decepcionante possível. “Eu estava sentindo uma dor tão grande no meu coração, e falava para o Senhor, acho que eu deveria ter morrido e não a minha amiga”, confessou a jovem.

 “Se eu for ter uma vida só de tristeza, me leva”, dizia ela, enquanto batalhava com Deus. Suas crises depressivas foram fortemente influenciadas pelo luto, e suas orações eram repletas de questionamentos que não ousavam esperar por uma resposta real.

O livro que mudou tudo

Durante uma pausa na narração, ouço uma música que ecoa pelas paredes do prédio em que estamos. Em uma das salas, um coral ensaia, e o som enche o ambiente. A melodia calma que podemos ouvir com clareza, serve bem para o momento, e se encaixa com o final da história que ela está prestes a me contar.  Fernanda me olha, e com um sorriso contente, começa a me contar a última parte de sua trajetória.

“Em um desses dias, eu me levantei e fui trabalhar”, relata ela, a respeito de mais um dia que poderia ter sido ordinário. Poderia ter sido, mas não foi. Fernanda me conta que quando estava em seu local de trabalho, ouviu uma voz que a incentivava a comprar um livro. Um sentimento forte a guiou até a loja da faculdade, e dentre a pilha de livros, a fez escolher um. A obra indicada pela forte influência que a guiou até a loja foi o “O grande conflito”, uma narrativa cristã produzida e comercializada por pessoas que compartilham da mesma fé de Fernanda.

A princípio, o súbito desejo lhe pareceu estranho, mas ao retornar sua rotina de estudos e devoção, a jovem sentiu sua vida voltar lentamente aos trilhos. Aquilo que antes partia seu coração, foi curado de forma milagrosa, em sua opinião. A leitura parecia ter sido feita e incutida em sua mente especialmente para a melhora de sua vida emocional e física. Fernanda voltou a ser a jovem que um dia fora, comprometida espiritualmente e fiel a seus princípios. 

Logo depois da mudança, outra surpresa. Seu trabalho de conclusão de curso, antes impossível de ser realizado no curto período de tempo que a jovem possuía, agora estava disponível. O acontecimento, apesar de não ter ligação direta com a saúde mental de Fernanda, serviu para renovar suas esperanças, e demonstrar que com cuidado, ela poderia reconstruir a base de confiança e felicidade que tão cedo havia sido quebrada em sua vida.

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