Do câncer na infância ao retorno social

In Geral, Saúde

Conheça a história de Larissa Vieira, uma criança que perdeu a perna para o câncer.

Paula Orling

Em 2013, Larissa Vieira tinha apenas nove anos. Correr, brincar e, especialmente, dançar, eram atividades no topo de sua lista de prioridades. Mas, a “número 1” da lista era sonhar. Nesta fase, planejava crescer, conhecer o mundo e, na faculdade, iria fazer intercâmbio. Como para uma manezinha da ilha padrão (apelido carinhoso para quem nasce em Florianópolis), o roteiro das férias era a praia. No caminho, a menina percebeu uma mudança em seu próprio corpo. Ela não imaginava o que a perna dolorida significaria nos meses seguintes.

A dor na perna esquerda se transformou em um pequeno caroço. O inchaço chamou a atenção da mãe de Larissa, Mirian. Os dias passaram e a bolinha aumentou, assim como a preocupação da família. Ao consultar um médico e fazer toda uma bateria de exames, Larissa foi diagnosticada com um tumor maligno. 

Mesmo tão nova, com um futuro de sonhos, Larissa passou pelo maior desafio de sua vida: um câncer. “Foi um choque, principalmente para a minha família, porque foram eles que realmente tiveram que lidar com a notícia. Como eu era criança, eu não sabia que estava com câncer”, compartilha. Ela conta que só descobriu o nome da doença quando as pessoas passaram a questioná-la por causa das suas mudanças físicas. “Para mim, eu só estava com uma gripe, eu não sabia que eu iria, sei lá, morrer”, acrescenta.

Tratamento 

Ela foi encaminhada para o Hospital Joana de Gusmão, no departamento de oncologia. Foi então que Larissa teve seu primeiro choque de realidade sobre a doença. Ao ver as pessoas que tratavam o câncer, começou a imaginar o seu futuro. Naquele momento, não importava mais a sua idade, não existia nenhum cuidado da família ou da equipe médica que pudesse proteger a sua inocência.

Ver crianças sem cabelo foi extremamente chocante. Durante os quase dois anos que ela passou em tratamento, viu dezenas de pessoas morrerem vítimas da doença e assimilar toda essa condição foi um grande desafio.

Nos meses que se seguiram, o caroço aumentou até tomar conta da sua perna esquerda, da canela à coxa. Larissa fazia quimioterapia praticamente toda semana. A exceção? Quando a sessão do tratamento era tão forte que o seu corpo não aguentava mais uma dose na semana seguinte. 

Nesses casos, ela passava uma semana internada no hospital, recebendo a quimioterapia. “Essas davam muita reação, eu ficava muito mal, precisava ter enfermeiro olhando”, descreve. Ela compara a vivência com uma gravidez: “seu corpo fica todo confuso, o seu olfato e o seu paladar mudam. Aí você não consegue comer, o que é muito complicado.”

Para ela, carne de panela era uma das melhores refeições. Durante o tratamento, ela simplesmente não conseguia mais sentir o gosto do prato. “É complicado para uma criança entender que ela tem que comer, que ela tem que tomar mais água para se hidratar”, opina. Nestes momentos, Larissa tinha muita fraqueza. Em outras ocasiões, os desejos aparecem, como uma vontade incontrolável de comer sorvete com ketchup. Mudanças de humor e fragilidade emocional também eram sintomas recorrentes.

Depois dos tratamentos mais fortes, era momento de esperar o corpo adquirir os nutrientes necessários e aumentar o número de plaquetas para recomeçar. Mas ela não tinha repouso completo, porque “no período de melhora, eu ia fazendo quimioterapias mais ‘simplesinhas’, mas ainda agressivas.”

Ineficácia do tratamento

Mesmo depois de um ano de quimioterapia, os médicos viram na amputação completa da perna a única chance de sobrevivência. Toda a operação aconteceu cerca de uma semana antes do aniversário de 11 anos da Larissa e gerou grandes dificuldades. “A primeira vez que eu tentei ficar em pé, eu quase desmaiei, fiquei muito tonta e eu ainda tive que me adaptar à questão da perna enquanto eu fazia o tratamento”, revela.

Mesmo quando as coisas pareciam resolvidas, algumas medidas de segurança precisavam ser tomadas, como algumas sessões extras de quimioterapia. Um desses momentos de tratamento caiu no dia das crianças e os profissionais de saúde ficaram com pena de deixar a menina internada no hospital. Por isso, receitaram remédios para que ela pudesse fazer parte da recuperação em casa. Um deles era um remédio para expelir a quimioterapia depois do tempo de ação necessário para o tratamento.

Um problema grave surgiu: pela data comemorativa, farmácias estavam fechadas e a aberta não oferecia o produto. Sem entender a gravidade da situação, a família levou a menina para casa sem o medicamento. O imunológico de Larissa foi muito prejudicado, situação que acarretou uma pneumonia. De volta ao hospital, ela teve reação alérgica a um medicamento e a alternativa era um remédio que o governo não oferecia e a família não tinha condições de adquirir.

Sem perspectiva de melhora, Larissa passou semanas em coma induzido e a família aguardava a falência total dos pulmões para desligar as máquinas e permitir que a menina morresse sem sentir dor. Foi quando o governo de Santa Catarina providenciou a medicação necessária. Ela pôde começar a tratar a pneumonia, e seu corpo reagiu rapidamente ao novo medicamento.

Em seguida, precisou se adaptar “a voltar para a vida depois do tratamento, com o fato de estar sem uma perna e agora com saúde.” Larissa comenta que se sentiu muito esquisita, tanto física como emocionalmente.

Rede de apoio

Desde pequena, a Larissa aprendeu a se virar sozinha. Durante a infância, passou muito tempo com os irmãos mais velhos, já que a mãe trabalhava durante todo dia e parte da noite para compensar o déficit financeiro deixado pelo pai ausente. Ao crescer, aprendeu a cuidar da própria vida e esta razão foi um agravante para os traumas deixados pelo câncer e as marcas deixadas pela doença e o tratamento longos persistiram por anos.

Entender que precisava de pessoas para a sua recuperação foi difícil para a adolescente. É claro que ela entendia a necessidade de pessoas durante os períodos no hospital e mesmo depois, em casa. Mas compreendia apenas que precisava de apoio físico. O processo de reconstrução emocional foi ainda mais duro.

Hoje, ela percebe o quanto algumas pessoas foram essenciais desde a doença até a recuperação. Além da mãe que se desdobrou para conciliar a saúde da filha e o salão de beleza que perdia dinheiro a cada dia fechado, Larissa destaca a ajuda que sua professora particular ofereceu. “Essa mulher foi um anjo na minha vida”, Larissa afirma convicta.

Quando a mãe e o padrasto, não podiam estar em um momento importante do tratamento, a professora Sheila acompanhava a menina, fosse em uma cirurgia ou levando algum item para o hospital. Além da professora, uma tia, a Débora, acompanhou a menina por muito tempo. E os enfermeiros sempre foram figuras essenciais para manter a autoestima da menina. “Eles eram muito carinhosos e faziam de tudo para que não fosse uma experiência tão ruim para a gente”, relembra.

Readaptação à escola

Se engana quem pensa que os problemas da Lari acabaram com o tratamento e a amputação. Agora ela era adolescente, mas ainda tinha a mente de um ano antes. Ao voltar para a vida cotidiana, percebeu que as meninas de sua idade substituíram Barbies por maquiagem e o pega-pega por interação com o sexo oposto. A nova rotina não parecia fazer sentido para Larissa.

Além da adaptação normal depois de um ano distante, os novos fatores físicos também foram assuntos delicados. “A escola foi a pior parte [da readaptação]”, desabafa. Quando voltou para a rotina escolar, passou a ser “a menina que tinha câncer, a menina sem perna” e tinha dificuldades de locomoção.

Ela conta que ninguém na escola a tratava como antes da doença. “Parecia que as pessoas tinham medo de falar comigo, de encostar em mim”, lamenta, completando que não sabia identificar o que os olhares lançados para ela significavam. Em momentos diversos, Larissa ouviu de pessoas próximas que não queriam mais ser seus amigos pela sua condição.

Além disso, a amputação e seu cabelo que começava a crescer também foram pauta de bullying. “Algumas pessoas começaram a achar muito engraçado o fato de eu não ter uma perna”, relembra.

Peso emocional

Em diversos momentos, Larissa não suportou a pressão e os traumas. Durante as terapias, ela não conseguia se abrir com o psicólogo e passou várias sessões sem dizer nenhuma palavra ou apenas “não quero falar sobre isso”. 

Para ela, a pior sensação era se sentir culpada por estar viva, enquanto muitas pessoas com as quais conviveu durante o tratamento morreram. Não “aproveitar a vida”, como ela costuma dizer, a deixava deprimida, ao mesmo tempo que impedia que ela tirasse a própria vida, pela culpa por quem não sobreviveu ao câncer.

Pouco mais de um ano depois da amputação, Larissa foi diagnosticada com princípio de depressão e pensamentos suicidas eram recorrentes. Ela comenta que as coisas só começaram a mudar com a ajuda de uma rede de contatos, novas amizades e apego à religiosidade. A partir da fé e da convivência com os amigos, Larissa passou a entender que sua vida tem um propósito e a valoriza a cada dia.

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