Pode ou não pode? O dilema das manifestações políticas nos esportes

In Esportes, Geral, Política

Posicionamentos públicos de atletas com relação a pautas políticas e sociais é cada vez mais recorrente e a relação entre esporte e política, cada vez mais íntima.

Melissa Maciel

No último amistoso antes da Copa do Mundo, contra a Tunísia, a seleção brasileira masculina de futebol, pela primeira vez desde 1958, cantou o hino nacional sem nenhuma estrela na jaqueta oficial da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). A ação, iniciada no dia 27 de setembro, encabeça uma campanha da CBF em parceria com o Itaú, que tem como slogan: “Sem estrelas”. Assim seria a camiseta da seleção se jogadores negros nunca tivessem integrado o time nacional. O objetivo da campanha é salientar a gravidade das ações racistas no mundo do futebol.  

Gestos e manifestações políticas de atletas de diversos esportes datam de décadas de história. Nas Olimpíadas de 1968, por exemplo, na Cidade do México, os negros norte-americanos Tommie Smith e John Carlos, medalhistas de ouro e bronze nos 200 metros rasos, elevaram os pulsos ao alto no pódio para denunciar diferenças de tratamento com base na cor da pele. Depois dessa manifestação, os atletas foram banidos do esporte. 

Atualmente, no entanto, gestos políticos têm sido mais aceitos, dentro de determinados critérios. Nos Jogos Olímpicos de 2021, a Regra 50 da Carta Olímpica, que trata da manutenção da neutralidade do esporte, foi flexibilizada. Dessa forma, permitiu-se gestos com referentes ideológicos antes das provas e com respeito aos outros desportistas, além do engajamento de atletas com pautas de justiça social e combate à intolerância. 

Dessa forma, o debate com relação ao vínculo entre política e esporte continua. Por ocasião dos Jogos de Tóquio, em 2021, o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, disse ao Financial Times que o pódio e as cerimônias de medalha não são feitos para manifestações políticas, “eles são feitos para homenagear os atletas e os ganhadores de medalhas por conquistas esportivas, e não por suas opiniões particulares.”

O presidente afirmou ainda que a missão dos jogos é “ter o mundo inteiro junto em um lugar e competindo pacificamente um com o outro. Isto você nunca conseguiria se os Jogos se tornassem polarizadores.” 

Visibilidade às minorias

Atletas, no entanto, são figuras públicas e, naturalmente, atraem grande visibilidade, de maneira que se optarem por se posicionar quanto a pautas sociais, podem facilmente ser tomados como figuras representativas nas lutas das minorias. No entanto, nem todos optam por assumir tal responsabilidade.

De acordo com o jornalista e pesquisador do futebol, Irlan Simões, “os atletas são vistos por muitos, principalmente pelos mais jovens, como referências de sucesso, disciplina, talento e estilo de vida. Então, mais do que ídolos esportivos, hoje eles são influenciadores em diversos sentidos. A grande questão, é que o posicionamento a favor de uma causa social pode gerar reações que podem ser financeiramente prejudiciais. Então, é de se compreender o motivo de tantos deles serem tão pouco expressivos com relação a essas temáticas”, explica.

Porém, para o cientista social Thiago Pinho, os atletas são ferramentas muito importantes no jogo político, mesmo que não se deem conta disso. “Nesse cenário onde a política se tornou sinônimo de ‘espaço coletivo’, e um destino meio inevitável, o atleta tem diante de si duas grandes alternativas, por mais que ele não perceba: ou reproduz padrões clássicos de comportamento e expectativa, reforçando até mesmo estereótipos e preconceitos ou desafia esses mesmos padrões, oferecendo uma válvula de escape aos grupos minoritários”, expõe Thiago.

Segundo o especialista, a atuação dos atletas não dá voz às minorias, porque elas já carregam a característica da militância e interação. Mas, proporciona instrumentos de difusão dessa voz, que amplificam vozes já existentes, mas sem muita visibilidade.  

Esporte como instrumento político 

A relação entre política e esporte, no entanto, pode assumir a característica de uma via de mão dupla, abrangendo mais do que apenas manifestações ideológicas em campo. Classes políticas podem, por exemplo, promover recursos e benfeitorias a esportes como o futebol para atrair simpatia do público torcedor e engajado com o esporte. 

“Desde os primórdios, o futebol em si, mas principalmente os clubes de futebol, são objetos de uso político. Sempre foram ferramentas de propaganda muito eficientes, porque representam o sentimento de milhões de pessoas. Um ‘benfeitor’ de um clube, seja no início do século XX, seja nos tempos atuais, sempre foi alguém interessado em reverter o eventual sucesso esportivo do clube como ganhos políticos ao seu favor”, explica Irlan.

De acordo com Thiago Pinho, a implosão da fronteira entre esporte e política é uma realidade no cenário atual, e, como o futebol é a essência do Brasil, ele se torna um reservatório valioso de investidas políticas. O que, segundo ele, pode ser algo bom ou ruim, dependendo do propósito a partir do qual as parcerias são feitas.  

“Em geral, essas parcerias podem ter como meta a luta contra formas de preconceito dentro e fora do campo, potencializando uma batalha coletiva em que todos fazem parte, ou podem também, por outro lado, apenas reforçar estereótipos ou manter uma suposta postura de neutralidade, o que muitas vezes acaba sendo muito pior”, salienta.

O cientista social explica que a política é o espaço de convivência em que as relações sociais se desenvolvem. É onde a diversidade, os debates e até mesmo os conflitos são esperados. Dessa maneira, na atualidade, a dissociação entre esporte e política não é algo inteiramente viável.

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